Essa coisa do tempo medido e
contado na sua exatidão me dá um pouco nos nervos. Posso bem, se eu quiser,
contar as coisas de um jeito aproximado e mesmo assim elas terão o valor de um
aniversário.
Pois bem. Já faz pra quase um ano
que a minha voz continua a mesma, mas o meu cabelo, quanta diferença! Essa fala
roubada do comercial antigo da TV não se trata de uma pintura capilar ou
qualquer coisa que o valha. Meu cabelo, que era até bonito e sem pintura
nenhuma, hoje é estranho, alheio, frágil... Eu não me importo. Ou me importo
pouco. Sei lá. A verdade é que reparo nele quase nada que é pra não perder
muito tempo com inquietação desnecessária.
Já faz pra quase um ano que o meu
cabelo nem imaginava que ganharia transformação obrigatória porque o meu
organismo também sofreu mudanças impostas a ele, sem que sequer lhe fosse
consultada a opinião. É preciso adaptar-se, eu vivo repetindo para esse meu
corpo, mente, e tais, desde que estive naquela mesa de cirurgia oferecendo o
meu estômago em sacrifício. Mudança extrema. Mudança para a vida toda. Emagrecimento
constante e radical. Peles aos montes, desnecessárias, mas fundamentais no
sentido de apontarem a todo instante que o caminho feito foi bonito sim senhor!
Eram cento e vinte e um quilos
naquela manhã de quinta feira, em que sem nenhum pingo de ansiedade eu estive
acordada por poucos minutos no centro cirúrgico. A partir de então, nunca mais
estes cento e vinte e um quilos foram reais. São só lembranças do que eu fui a
vida quase inteira e eu não os repugno. Eles foram o que eu fui externamente. Eles
foram as minhas dificuldades, o sedentarismo absurdo, comodismo, falta de força
de vontade... qualquer coisa que você quiser que tenha sido, mas eles foram o
que eu fui.
Hoje, nessa segunda feira que eu
não fui trabalhar porque meu maxilar dói uma dor misteriosa, porque tenho
cólica, porque amanheci de lábio inchado pelo beijo do mosquito, me fiz
pensamentos desse quase um ano de quilos indo embora sem que eu possa ou queira
controlá-los. Segundo me disseram os da equipe do doutor Guilherme, homem de
jaleco branco mais gente boa do universo, são dois anos nesse processo de desengordar.
Depois... depois é fazer valer o sacrifício e não se permitir emburrecer, o que
nesse caso implica fundamentalmente nos cuidados para não comer todos os quilos
outra vez.
Quarenta e três quilos ficaram
pela estrada como sementes enfeitando o chão. Sou, nessa hora, feliz por
motivos tantos que eu nem preciso listá-los, você, caro leitor, bem pode supor.
Mas eu não sei e nem quero ser
porta bandeira da causa do emagrecimento. É de lei da vida cada um saber de si
o seu melhor e se para mim os verbos viver e emagrecer haveriam de fazer
parceria, para outras pessoas não necessariamente. Que se oferecer a esse ato
extremo de viver a vida comendo num pratinho de sobremesa é de ser feito apenas
se a pessoa não encontra para si outra alternativa de seguir. Não vou nunca
sair por aí aconselhando estômagos reduzidos porque pra mim está dando certo.
Como diria o Jânio da vassoura: “fi-lo porque qui-lo”, mas o fiz muito bem
pensado.
Não consigo fazer um texto
motivador sobre o quanto minha baixa estima deu uma sacudida nesse tempo de
quase um ano. Baixa estima, aliás, é um rótulo simplista demais para resumir o
quão uma pessoa pode estar se sentindo frustrada porque ninguém sabe exatamente
os seus motivos. Eu não estive vivendo a vida me sentindo inferior por ser
gorda. Eu não estou me sentindo superior por estar emagrecendo. É muito mais intenso
que isso. Estive triste porque certo dia chovia e eu queria Sol. Estive alegre
porque certo dia chovia e eu gostava de espiar as gotas deslizando pela vidraça
da minha janela. Viver é tanto! Não simplifiquemos os sentimentos dos outros só
porque fingir compreendê-los nos torna supostamente sábios e boas gentes.
Abraços.